Quais os problemas na adoção tardia?
Neste artigo da série sobre adoção, vamos mencionar quais os principais entraves que perpassam a adoção e que muitas vezes causam a morosidade.
Muito se fala que a adoção tardia está unicamente atrelada ao perfil desejado. Sabemos que todas as pessoas têm o direito de escolher vivenciar os primeiros passos da vida de uma criança, entretanto, a relação de escolha muitas vezes está atrelada a preconceitos, pois a questão da idade não é a único aspecto que está correlacionado a adoção.
Existem pretendentes que optam em não querer, por exemplo, adotar crianças com irmãos. De acordo com o CNJ 61,4% dos habilitados não tem interesse em adotar irmãos, assim, como 60,3% não aceitam crianças com nenhum tipo de doença.
Portanto, se torna complexo afirmar que o perfil desejado está relacionado apenas a idade da criança, pois há condições que perpassam a esfera da idade, inclusive, relacionada a outros desejos que completam este, como é o caso de escolher uma determinada cor, sem doenças etc.
Todavia, conforme leciona SOUSA (2018) se faz necessário superar o discurso simples de que a culpa reside exclusivamente nos adotantes.
Pois, embora haja a preferência demonstrada pelo perfil idealizado, o atual sistema também não favorece a rápida colocação de crianças em famílias substitutas (Caderno IEP/MPRJ, v.1, n.1.junho/2018).
Desta forma, é importante discutirmos outros entraves que estão presentes no contexto da adoção tardia. Há um número expressivo de adotantes habilitados, sendo certo que esse número é quase cinco vezes maior que as crianças e adolescentes em condições de serem adotadas.
Fica o questionamento: será que a possibilidade dessas crianças serem adotadas por esses pretendentes é ínfima? Será que a condição da escolha é o real e único motivo que justifique as crianças e adolescentes maiores não serem adotadas?
Dados divulgados através do Instituto de Educação e Pesquisa do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – IEP/MPRJ, mostram que no ano de 2018 tinham mais de 47.000 mil crianças acolhidas institucionalmente.
Essas crianças não estão habilitadas para a adoção, mas estão no processo de reinserção a sua família natural, extensiva ou esperando uma família substituta.
Assim, é importante pensarmos como trazer efetividade para que seja cumprida a doutrina integral e o melhor interesse da criança e do adolescente conforme estabelece a CFRB/88, no cenário da adoção.
A incessante tentativa de reinserir a criança e o adolescente à família natural
Às vezes a família natural não se encontra em condições de proporcionar o bem-estar para a criança que fora afastada daquele lar.
Assim como a adoção, a destituição do poder familiar também é medida extrema e excepcional, aplicadas apenas quando não houver outras alternativas que possam evitar tal ação.
Após ocorrer a suspensão do poder familiar, decorrido um tempo, há a tentativa de reinserir a criança ou adolescente no seio de sua família natural.
Caso não seja frutífera de início, é possível que haja outras tentativas, inclusive, a depender do caso, busca-se um parente na própria família (extensa) para a criança ou o adolescente.
Entretanto, pergunta-se: quantas tentativas sem sucesso a criança deve ser capaz de suportar para que depois ocorra a destituição do poder familiar, e, por conseguinte a colocação da mesma para adoção?
Buscamos aqui analisar as reiteradas tentativas de inserir a criança no seu núcleo familiar natural. É certo que o dispositivo legal trata a destituição como exceção, entretanto, entende ser necessária uma interpretação extensiva.
A Lei nº 13.509/2017 que alterou o §3º do artigo 39 do ECA traz que em caso de conflito entre direitos e interesses do adotando e de outras pessoas, inclusive seus pais biológicos, devem prevalecer os direitos e os interesses do adotando.
Desta forma, entende-se que, após reiteradas tentativas, a depender do caso concreto, deve-se interpretar que o melhor caminho é a destituição do poder familiar.
Em que pese a tutela da excepcionalidade, se naquele caso concreto a destituição do poder pátrio é o melhor para o interesse da criança ou do adolescente, deve-se fazê- lo, reforçando o princípio do interesse superior da criança.
Nesse mesmo sentido, o recurso abaixo trouxe um caso de destituição do poder familiar, com fulcro no princípio da proteção integral às crianças. APELAÇÃO CÍVEL. ECA. AÇÃO DE GUARDA. INSERÇÃO DA CRIANÇAEM FAMÍLIA SUBSTITUTA. MANUTENÇÃO.
Quando o menor de idade não possui pais biológicos capazes de lhe oferecer os cuidados básicos necessários ao seu desenvolvimento, e a sua família natural também não têm condições de suprir essa deficiência, a colocação em família substituta é a solução adequada.
Nesses casos, aplica-se o Princípio da Proteção Integral às crianças e adolescentes previsto no ECA. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (TJRS, Apelação Cível Nº 70053130902, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: AlzirFelippeSchmitz, Julgado em 27/06/2013).
Trata-se de uma mãe que foi destituída do poder familiar, tendo em vista que não cuidava da sua filha da forma necessária, principalmente em relação as questões materiais, como alimentação, roupas, educação, lazer.
Em que pese entender MADALENO (2018, p.922) que “carência de recursos não é causa de suspensão ou perda do poder familiar” em algumas situações é importante ter o mínimo para que se tenha uma vida digna.
A mãe, ora apelante, alega que, embora a filha tenha sido abrigada por conta da negligência de sua parte, não houve tentativa de reinserir a criança a sua família natural na forma que dispõe o dispositivo legal.
Houve a tentativa de reinserir a criança em sua família materna, todavia, não havia nenhuma pessoa que pudesse dar a mãe todo o suporte necessário para que pudesse cuidar da criança.
Insta salientar que, de acordo com laudos apresentados no processo, a mãe tinha uma situação mental que não permitia cuidar sozinha da filha, necessitando, assim de ajuda, o que não ocorreu.
De acordo com o Relator Des. Alzir Felippe Schmitz, restou claro que a mãe possui grande afetividade com a filha, contudo, carecia de assistência para poder cuidar de sua filha e acompanhar de perto a situação familiar.
E diante dos estudos, verificou que a família substituta estava proporcionando afeto, e cuidados necessários para que a criança pudesse viver com dignidade, e não ter seus direitos violados.
Desta forma, com base no melhor interesse da criança, bem como do princípio da proteção integral, manteve a sentença, negando provimento a apelação interposta pela mãe biológica da criança.
Ainda considerando o caso, faz-se necessário trazer os ensinamentos de SOUSA (Caderno IEP/MPRJ, v.1, n.1.junho/2018): Nem sempre a família de origem é o melhor lugar para o desenvolvimento saudável da criança ou do adolescente decorrente de um pouco de coragem e de muita empatia por esse infante, que, muitas vezes, pela falta dessas virtudes por parte de equipe técnicas operador do Direito, acaba passando um tempo demasiadamente extenso em instituições de acolhimento enquanto seus pais recebem segundas, terceiras e quartas chances de acertar.
E, ainda, após essa saga, muitas vezes mais um precioso tempo é gasto em busca de algum parente distante e se vínculo afetivo.
Desse modo, embora a mãe tivesse afeto para com a sua filha, só o amor naquele momento não era o necessário, tendo em vista a falta de cuidados básicos, o que colocou a criança em situação de risco.
Como vimos nos capítulos anteriores, crianças maiores têm menos chances de serem adotadas. Assim, faz necessário proporcionar as que se encontram nas instituições abrigadas uma maneira mais eficaz que as possibilitem a terem uma família, proporcionando amor, carinho, cuidado e educação, condições estas que qualquer pessoa merece receber.
De acordo com BRAGANÇA e PEREIRA JUNIOR (2015, p.92): Percebe-se que a criança precisa do apoio familiar desde o início para que possa se tornar um adulto saudável emocionalmente e independente.
Todavia, por diversas razões já vistas, a criança pode acabar sendo privada do convívio familiar, e esta privação pode ocasionar cicatrizes mais sérias para a vida toda da mesma.
Após esse debate a respeito das diversas tentativas de inserir a criança e o adolescente à família natural, cumpre discorrer sobre outros pontos importantes que ocasionam a morosidade no processo.
A morosidade no processo de adoção
No tocante a morosidade processual, o CNJ menciona que pouco mais da metade das reclamações através das ouvidorias, têm relação com a morosidade processual.
Assim, CÂMARA (2017 apud COSTA, 2018, p. 23), afirma que “um processo rápido e que não produz resultados constitucionalmente adequados não é eficiente”.
A busca do equilíbrio, evitando-se demoras desnecessárias, punindo- se aqueles que busquem protelar o processo (e daí a legitimidade de multas e da antecipação de tutela quando haja propósito protelatório),mas assegurando-se que o processo demore todo tempo necessário para a produção de resultados legítimos. CÂMARA (2017, p. 19 apud COSTA, 2018, p. 23)
No mesmo diapasão, CARVALHO (2017, apud COSTA, 2018, p.23), diz que “uma prestação de serviços eficientes deve garantir uma célere solução de controvérsias e que, por isso, a eficiência está diretamente ligada ao princípio da celeridade”.
No contexto da destituição ou suspensão do poder familiar, conforme dados disponibilizados pelo IEP/MPRJ, no mês de maio de 2017 havia mais de dois mil processos paralisados por mais de noventa dias na vara da infância da juventude e do idoso da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Sendo certo que, de acordo com SOUSA, (2018) “embora não haja informação de que eles estão em andamento há menos ou mais de dois anos, nota-se que é um número expressivo que se encontra estagnado”.
Nesse sentido, de acordo com COPATTI e FRANCESCHI (2018, 102): O direito pátrio, anseia-se pela prevalência da celeridade processual, sempre buscando os meios de aplicação da justiça, com utilização dos meios recursais e garantindo o acesso à justiça, sem, contudo, procrastinar a solução dos conflitos.
O processo deve ser célere, no sentido de que tramitações que perduram por anos para determinados casos não podem ser admitidas porquanto serão injustas, pois não alcançaram o primordial desígnio da tutela jurisdicional, de justapor o poder-dever do estado de declarar e realizar o direito.
Desta forma, visando dar mais efetividade em relação a tramitação processual, o ECA sofreu alterações pela Lei 13.509/2017, pois conforme já destacado diminuiu de 24 meses para 18 meses o prazo de permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional.
De acordo com os dados disponibilizados pelo MPRJ, no ano de 2016, antes da alteração mencionada, havia mais de 40 crianças e adolescentes acolhidas por um período superior a 2 anos – período este estabelecido em lei à época – antes de serem inseridos em família substituta.
Embora os dados apresentados a seguir tragam uma análise ampla, sem identificar quais são os tipos de ação referente a cada processo, ainda assim, é importante analisarmos, principalmente, a produtividade, a quantidade de processos sentenciados e, até mesmo os processos que se encontram parados nas varas da infância e juventude e dos idosos da Comarca da Capital no mês de março de 2019.
Tabela 3 Produtividades das serventias mês de março de 2019 – Comarca da Capital/RJ
Serventias | Acervo geral | Sentenças | Arquivados | Audiências realizadas | Paralisados > 90 dias |
Capital 1 Vara Inf/ Juv/Ido. | 9.995 | 203 | 64 | 63 | 3.752 |
Capital 2 Vara Inf/ Juv/Ido. | 2.243 | 64 | 64 | 23 | 22 |
Capital Vara Inf/ Juv. | 3.983 | 298 | 265 | 577 | 792 |
Em que pese a Lei nº 13.509/2017 ter buscado dar mais efetividade aos procedimentos relacionados a adoção, sobretudo, tutelando os prazos, o que ocasionaria um procedimento célere.
Diante dos dados expostos na tabela acima, verifica-se que há processos sem movimentação há mais de 90 dias. Ademais, comparando a quantidade de processos que há mudanças a serem feitas, e que ainda é muito importante discutirmos sobre a celeridade processual.
Os processos de uma forma geral que se encontram na Vara da Infância e da Juventude precisam de atenção, tendo em vista a sua natureza.
A cada demora que acontece em um procedimento – de acordo com os dados levantados ao longo desse trabalho – fica muito mais difícil a criança ser inserida em uma família, caso haja a destituição do poder família e a tentativa de colocação em família substituta.
Dessa forma, ponderando o princípio da prioridade absoluta se faz necessário que os processos que versam sobre direito da criança e do adolescente, principalmente no contexto da adoção devem ter preferência nas varas da infância e juventude, recebendo total prioridade.
Autora: LEICIMAR MORAIS