Famílias menores: por que os casais querem apenas 1 filho
Quando Jen Dalton engravidou em 2018, ela fez uma planilha. Levando em consideração a licença maternidade, as recomendações de saúde para espaçar nascimentos e até mesmo possíveis férias em família, ela planejou quando teria cada um dos quatro filhos que pensava querer.
“Olho para isso de vez em quando e dou risada de como fui ingênua”, diz Dalton, de 31 anos.
Isso porque, apenas dois meses após o nascimento da filha, ela e o marido decidiram que era “um e pronto”.
Parte disso foi a luta contra a privação de sono e pela saúde mental: Dalton lidou com um parto traumático, depressão pós-parto e ansiedade pós-parto. No entanto, mesmo quando a vida se tornou mais fácil, a decisão pareceu acertada para ela.
Não era só que Dalton, que mora em Ontário, no Canadá, e seu marido não queriam arriscar o bem-estar dela – e de sua família – ao passar por tudo de novo. Acontece também que eles sabiam que não havia nada de “errado” em não “dar um irmão” à filha.
“Sou filha única e muito feliz”, diz Dalton. “Sou muito próxima dos meus pais.”
Ela sentiu que se tivesse DPP ou APP novamente, teria mais ferramentas para lidar com isso. E os algoritmos das redes sociais continuaram a promover conteúdos que mostravam famílias grandes e bonitas.
“Isso realmente nos fez pensar: ‘Sim, poderíamos fazer isso de novo'”, diz ela.
Não surpreende que Dalton tenha começado a questionar a decisão.
Embora, em muitos países, filhos únicos estejam se tornando a norma, a pressão para ter mais do que um permanece.
Os comentários sobre os filhos únicos serem mimados ou solitários são frequentes, apesar da desconstrução dos fatos hoje em dia. Os pais dizem que se sentem pressionados a ter mais filhos por membros da família e até por pessoas estranhos.
Mais comum, mas ainda julgado
Particularmente depois da revolução contraceptiva de meados do século 20, que deu a muitas mulheres algum controle real sobre a fertilidade, a escolha de quantos filhos ter tem sido pessoal. Mas também há tendências sociais e culturais claras.
Em muitos países, essas tendências estão mudando rumo a menos crianças. O Brasil, por exemplo, registrou queda na taxa de fecundidade, para 1,6 filho por mulher, o menor índice já registrado.
Na União Europeia, a maior parcela das famílias com crianças, 49%, é daquelas com apenas um filho. No Canadá, as famílias com filhos únicos também constituem o maior grupo, passando de 37% em 2001 para 45% em 2021.
O fato de as mulheres terem filhos mais tarde é uma questão significativa.
O senso comum sobre o número ideal de filhos também está mudando.
Durante milênios, a preferência por ter mais de um filho fez sentido. Há apenas dois séculos, mais de quatro em cada 10 crianças morriam antes de completar cinco anos.
Ter vários filhos também ajudava as famílias nas muitas tarefas necessárias para sobreviver. E, claro, na ausência de métodos contraceptivos confiáveis e com as mulheres casando muito mais cedo, ter apenas um filho não era apenas indesejável. Muitas vezes, não era viável.
Hoje em dia, em muitas culturas, o quadro é bastante diferente.
Portugal, onde 59% das famílias com filhos têm apenas um, é um bom exemplo. Enquanto a idade das mães de primeira viagem aumentou de 26,6 para 29,9 anos entre 2001 e 2019, quase uma em cada cinco mulheres também afirma hoje que um filho é o tamanho ideal de família.
Antes da década de 1970, nos EUA, entretanto, apenas 1% dos entrevistados achavam que ter apenas um filho era o melhor. Embora ainda seja uma fração do total, essa proporção triplicou.
É claro que ainda existe uma grande discrepância entre o que as pessoas dizem ser o ideal e quantos filhos realmente têm – mas parte disso tem a ver com a forma como estes dados foram colhidos.
Tanto para os números de Portugal como dos EUA, por exemplo, os entrevistados eram muito novos (tinham apenas 15 anos de idade em Portugal e 18 anos nos EUA), e não necessariamente eram pais.
Como Dalton, muitas pessoas mudam de ideia quando ficam mais velhas ou iniciam suas próprias famílias. Para os dados dos EUA, os entrevistados também estavam respondendo o que achavam que seria o ideal em geral, não necessariamente qual seria o tamanho ideal para eles, pessoalmente.
No entanto, o estigma contra casais que escolhem conscientemente ter apenas um filho persiste.
Quando Lauren Sandler se tornou mãe em 2008, diz ela: “Eu me vi com essa criança por quem eu era louca”. Mas ela também amava outros elementos de sua vida, como sua carreira por exemplo.
“Fiquei muito entusiasmada com o que significaria ser capaz de amar e criar essa criança em uma dinâmica em que eu também fosse fiel a mim mesma”, diz ela.
“E ainda assim, todo esse ruído cultural continuava se infiltrando. Eu era abordada por pessoas no metrô e no supermercado dizendo coisas como: ‘Quando você vai ter outro?’ E eu dizia, muito claramente, ‘Não estou planejando fazer isso’.
Parte desse estigma persistiu até a década de 2000, mesmo na cultura pop.
Na verdade, não há nenhuma evidência de que os filhos únicos sejam menos bem ajustados ou menos bem-sucedidos do que aqueles que têm irmãos.
O fator felicidade
Parte do contentamento de muitos pais de filho único é o impacto que sua decisão tem em outras partes de suas vidas, como carreira, lazer e interesses pessoais.
“Há a questão de como você deseja que seja a vida adulta”, diz Sandler.
“Tipo, o que é preciso para ir ao cinema? O que é preciso para sair para jantar? O que é preciso para ter amizades adultas onde você realmente consegue ter uma conversa sem interrupções?”
E, é claro, também é potencialmente mais fácil manter a saúde. A gravidez, o parto e o período pós-parto apresentam riscos, inclusive para os pais.
Especialmente para as mulheres com mais de 35 anos, aquelas que dão à luz um segundo filho ou filho temporão correm um risco aumentado de complicações na gravidez, como eclâmpsia, hipertensão gestacional e parto prematuro.
Para as mulheres em particular, as carreiras também são afetadas quanto mais filhos elas têm.
Na Europa, cada criança está associada a uma queda média nos salários de 3,6% – embora isto varie desde nenhuma desvantagem salarial nos países nórdicos até uma queda de 6% por criança na Alemanha e nos Países Baixos.
Nos EUA, um estudo mostrou que, mesmo levando em conta as diferenças na educação ou na experiência, as disparidades salariais entre as mães de um ou dois filhos e as mulheres sem filhos são aproximadamente as mesmas, cerca de 13%. Mas a queda vai a 17,5% com três filhos.
Tudo isto pode ser parte da razão por que uma pesquisa mostra que, embora ter um filho esteja associado a um ganho de felicidade, ter um segundo filho está associado a uma queda na felicidade das mães. O estudo não encontrou nenhum efeito de um segundo filho sobre os homens.
Outras pesquisas mostraram que, embora os pais sejam mais felizes no período que antecede e no primeiro ano após terem o primeiro filho, há retornos decrescentes: o aumento da felicidade para o segundo filho é metade do primeiro, e no terceiro, não há ganho de felicidade algum.
“Globalmente, a felicidade diminui com o número de filhos que os pais têm”, mostrou uma análise feita em 86 países.
O impacto nos casais também não é algo imaginado. Uma análise descobriu que mais de seis em cada 10 homens e cinco em cada 10 mulheres experimentaram uma mudança significativa na satisfação com o relacionamento após o primeiro filho, geralmente para pior.
Depois do segundo filho, a perda de satisfação é ainda maior, principalmente entre os homens.
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