Brincar com os filhos é essencial para o desenvolvimento cognitivo e emocional
Pesquisa da Unicef alerta que 55% das crianças entre 3 e 4 anos não brincam com os pais
Brincar faz parte do direito da criança e está no Artigo 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Brincar é assunto sério, e é dever da sociedade e das autoridades públicas garantirem o exercício deste direito. Vai além da diversão, auxilia na construção da identidade, socialização, desenvolvimento da linguagem, raciocínio e senso crítico.
Os pais têm papel central nesse processo, mas, com o ritmo acelerado, o acúmulo de funções e as exigências do mercado de trabalho, o tempo dedicado às brincadeiras está escasso.
Em um mundo hiperconectado, as crianças passam cada vez mais tempo em frente às telas. Com dificuldade de estabelecer limites, os pais se queixam das horas que os filhos dedicam a celulares e videogames, mas os próprios pais cada vez mais têm uma ligação excessiva com a tecnologia. Existe uma relação direta no uso de dispositivos digitais por pais e filhos – é o que aponta a pesquisa da empresa de cibersegurança Kaspersky.
Qualidade do tempo juntos
O Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking de crianças que passam mais tempo em frente às telas, só fica atrás de Emirados Árabes e Estados Unidos. Enquadradas em salas de aulas ou dentro de casa, as crianças exploram, exercitam e participam menos.
A pesquisa “Valor do Brincar Livre”, encomendada pela OMO, com 12 mil pais de dez países, constatou que 84% das crianças brasileiras brincam no máximo duas horas por dia em espaços abertos; para 40%, o tempo é menos de uma hora. Os números refletem no aumento de casos de ansiedade, depressão e obesidade infantil.
Além do uso excessivo da tecnologia, os entrevistados relataram que o medo da violência e não ter um lugar apropriado para os filhos brincarem ao ar livre são razões que agravam o problema.
O tempo junto tem mais a ver com dedicação e presença que com a quantidade de horas. Apenas 15 minutos de brincadeiras já impactam positivamente no desenvolvimento intelectual e emocional da criança.
Falta de participação
Estudo realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) evidenciou que 55% dos pais, com filhos entre 3 e 4 anos, não brincam e não se envolvem com o aprendizado. São mais de 40 milhões de crianças, em 74 países. A privação de atenção e falta de participação ativa traz consequências neurológicas e afetivas.
A maternidade e a paternidade têm bônus e ônus, implicam em renúncias e compromissos. O envolvimento da família nas brincadeiras é essencial, reforça Vital Didonet, especialista em Políticas Públicas pela Primeira Infância, consultor da Unicef e da Unesco.
“Muitos pais chegam em casa estressados e querem ter o seu próprio lazer. Eles precisam brincar, nem que seja por 15 minutos, mas que seja se entregando ao momento. O adulto também vai descansar, desde que não considere um dever”, afirma.
Priorizar o lúdico
Os pais precisam propor brincadeiras, mesmo dentro de casa, que não envolvam tecnologia. A educação vem do exemplo, e os pais estão cada vez mais dependentes de mídias sociais e mensagens de WhatsApp. Como vão estimular a importância de desenhar, contar histórias, montar um quebra-cabeça ou criar o próprio brinquedo?
A tecnologia trouxe vantagens, mas saber desconectar é fundamental na criação de laços afetivos. A relação construída no ato de brincar é tão importante quanto outros cuidados cotidianos, como fazer a lição de casa, comer ou escovar os dentes.
As crianças sentem a pressão de cumprir metas desde cedo, com muitas atividades diárias e agendas repletas de atividades extracurriculares. O tempo para o lúdico não é priorizado. O mundo da criança não é um microcosmo do adulto, com objetivos engessados e conhecimento predeterminado. A vivência do presente não pode ser abdicada por afazeres apenas utilitaristas, afinal, o aprendizado é assimilado muitas vezes nas brincadeiras.
O psicólogo construtivista Jean Piaget considera as atividades lúdicas como o berço obrigatório para o desenvolvimento integral da criança. “Não são apenas uma forma de desafogo ou entretenimento para gastar energia, mas meios que contribuem e enriquecem o desenvolvimento intelectual”.
Ao exercitar a imaginação, elas refletem, assimilam, constroem, desorganizam e reconstroem seu universo. É um instrumento de expressão da subjetividade, aceitação das diferenças, conhecimento do outro e exploração do mundo.
Brincar é um ato de liberdade
A criança não é uma “esponja” que só absorve, é um agente transformador, que aprende, ensina e interfere no meio. As brincadeiras não devem ser conduzidas o tempo todo pelo adulto, pois a autonomia precisa ser encorajada, para que possam decidir com o que querem brincar. É algo orgânico, que combina com improviso. A interação acontece pela entrega, escutar os pequenos e prestar atenção faz a diferença.
Histórias, canções e jogos como o Lego Star Wars são ferramentas que dão liberdade de expressão, permitem à criança manifestar a individualidade, propor novas formas, construir repertório emocional e simbólico.
Os momentos que os pais dedicam a brincar com os filhos fortalecem os vínculos e criam memórias. Estar presente não é cumprir roteiros, é estar com amorosidade. Antes de pensar em formar os filhos para o mundo, é importante pensar que tipo de pai ou mãe pretende ser, como gostaria de ser lembrado. A ausência nesses momentos pode deixar lacunas no relacionamento.