Cesárea humanizada também é possível
A humanização do parto reúne um conjunto de práticas que respeitam o protagonismo da mulher e seus vínculos sociais, culturais e emocionais
Dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontam que cerca de 30% das gestantes atendidas em hospitais particulares e 45% das que passam pelo Sistema Único de Saúde (SUS) sofrem violência obstétrica. Diante do alto índice, cresce a procura pelo parto humanizado, que reúne práticas que respeitam o protagonismo da mulher em sua maternidade. Nesse sentido, além do parto normal, a cesárea também é uma via de parto que pode ser humanizada.
O primeiro passo para considerar a mudança de paradigma em relação à cesárea é saber se o procedimento realmente é necessário e se conta com o acompanhamento de um profissional de obstetrícia.
A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que a taxa de cesáreas represente de 10 a 15% dos partos que acontecem num país para evitar os possíveis impactos negativos que uma intervenção cirúrgica pode apresentar. Entretanto, a decisão da mulher sobre o tipo de procedimento pelo qual deseja passar sempre deve ser respeitada.
Conforme a Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (edição de fevereiro de 2021), o Brasil é o segundo país com a maior taxa de cesáreas do mundo, ultrapassando os 55% dos partos — taxa acima da orientação da OMS — e ficando atrás somente da República Dominicana.
Em 2019, dos quase 290 mil partos realizados por meio de planos de saúde privados, 84,76% foram por cesariana. O dado consta no Painel de Indicadores de Atenção Materna e Neonatal, atualizado em agosto de 2021 pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O que é parto humanizado?
Em relação ao momento de dar à luz, o termo humanização refere-se ao tipo de assistência que a mulher recebe e não apenas à via de parto — se vaginal ou por meio de cesárea. Trata-se de uma maneira de combater a violência obstétrica e reduzir a mortalidade entre recém-nascidos e puérperas.
As práticas do parto humanizado integram uma visão interdisciplinar que, para além de um evento biológico, considera esse momento em sua amplitude de aspectos sociais, culturais e emocionais. Nessa perspectiva, desde que não prejudiquem a saúde e estejam de acordo com as recomendações científicas, as decisões médicas são compartilhadas e as escolhas da mulher respeitadas, evitando procedimentos desnecessários.
Se por um lado a violência obstétrica pode envolver recusa de atendimento, xingamentos, realização de intervenções médicas como uma grande episiotomia — incisão feita na região do períneo para facilitar a passagem do bebê — ou até mesmo cesáreas desnecessárias, o parto humanizado busca adequar o processo a partir de uma perspectiva menos hospitalar e medicamentosa, entendendo as necessidades da mãe e do bebê.
O plano de parto e a cesárea humanizada
Diversas práticas devem ser adotadas para que a cesariana seja humanizada, assim como no parto normal. Uma das etapas principais é a elaboração de um plano de parto, para que os desejos da mãe sejam ouvidos durante esse momento.
O plano de parto é um documento feito pela gestante em que são registradas e especificadas todas as etapas do nascimento do bebê, conforme o estado de saúde tanto da mulher quanto da criança. Sua realização é recomendada desde 1996 pela OMS, que ressalta a importância dessa criação categorizando-a como uma recomendação prioritária, pois melhora o nível de atendimento às mães e aos recém-nascidos em escala mundial.
Nessa carta, a mulher pode mencionar preferências relativas ao tipo de procedimento; às posições para o trabalho de parto; ao ambiente — como luminosidade e interferência sonora — e às intervenções médicas, caso sejam necessárias. Constam no plano, ainda, a presença de acompanhantes, que é garantida por lei; o modo como será o primeiro contato com o bebê — como a possibilidade que o bebê vá direto para o colo da mãe depois do nascimento, desde que não haja contra-indicação — e os cuidados com o recém-nascido.
O plano de parto é um direito garantido pela legislação brasileira para as grávidas de todo o país. Além disso, segundo o Ministério da Saúde, os profissionais da área devem perguntar se a gestante já tem o documento e discutir essa opção com ela. Para a sua implementação, contudo, é preciso considerar as condições da maternidade escolhida e verificar as limitações de unidade e disponibilidade de métodos.
Vale lembrar que, caso a equipe médica do hospital recuse a todo custo o plano de parto da gestante, a mulher ou o seu acompanhante pode fazer uma notificação na Defensoria Pública.