A técnica dos ciclos do sono que promete acabar com a fadiga: verdade ou bruxaria?

Se você já se pegou lutando para sair da cama depois de uma noite mal dormida, saiba que não está sozinho. Mas e se eu te dissesse que existe uma maneira de programar seu despertador para acordar durante um estágio de sono mais leve, facilitando o despertar? Isso é o que promete uma técnica que tem viralizado nas redes sociais, chamada de “contagem dos ciclos do sono”. Vamos entender o que está por trás dessa prática e por que ela tem feito tanto sucesso, especialmente entre influenciadores.

Confira as técnicas do ciclo de sono.
Foto: Reprodução

A viralização nas redes sociais

Tudo começou quando uma postagem no X (antigo Twitter) acumulou mais de 30 mil curtidas, onde uma usuária relatava ter ficado surpresa com os resultados da técnica. “Acordei sem fadiga/cansaço e levantei sem ficar enrolando na cama”, escreveu ela. Outro post, com cerca de 100 mil curtidas, chamou o cálculo de “bruxaria”, mencionando uma experiência igualmente positiva.

Mas o boom de popularidade veio mesmo após a influenciadora digital Gabi Brandt, com seus 2,4 milhões de seguidores no TikTok, compartilhar sua experiência. No vídeo, Gabi afirmou que desde que começou a usar a contagem dos ciclos, acorda “bela, tipo num filme de princesa”. Antes, ela precisava de cinco ou seis alarmes para conseguir levantar. Essa simples técnica parece ser a solução mágica para muitos, mas será que é tão eficaz assim?

O que dizem os especialistas

A promessa da técnica se baseia no fato de que nosso sono é dividido em ciclos, e acordar no final de um deles causaria menos mal-estar. O neurologista Lucio Huebra, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, confirma que, sim, os ciclos de sono existem e acordar no fim de um deles é realmente menos sofrido. No entanto, ele explica que a duração dos ciclos pode variar muito de pessoa para pessoa, e até de uma noite para outra.

“Os ciclos existem, mas são muito variáveis. A duração de cada um muda de acordo com a pessoa, a idade, e de uma noite para outra. Mesmo ao longo da mesma noite, os ciclos podem ser diferentes. Então, até existe um embasamento, mas isso não é tão matemático assim. Não faz muito sentido jogar numa calculadora períodos de 90 minutos para definir a hora de acordar. Não vai dar essa certeza de que você está acordando no fim de um ciclo de sono”, afirma Huebra, que é membro da Associação Brasileira do Sono (ABS).

Como funciona a técnica dos ciclos do sono?

As publicações alegam que o sono é dividido em ciclos de 90 minutos, e que colocar o despertador no final de um deles seria o ideal para acordar bem disposto. Para isso, sugerem até mesmo usar o ChatGPT para calcular os horários ideais, basta informar a hora em que foi para cama e pedir para o chatbot fazer a contagem dos ciclos.

Huebra explica que o sono realmente é dividido em ciclos, que duram em média de 90 a 120 minutos cada. Cada ciclo envolve quatro estágios do sono: NREM 1 (superficial), NREM 2 (intermediário), NREM 3 (profundo) e sono REM. Quando o REM termina, um novo ciclo se inicia.

“Durante a noite, o estágio N1 é a menor porcentagem, dura cerca de 5% do sono. O N2 é a maior, em torno de 50% a 55%, e o N3 e REM têm duração parecida, de 20% a 25% cada. No REM é quando ocorrem a maioria dos sonhos, e o limiar do despertar é muito alto. Raramente acordamos de forma natural nesse estágio. Os estágios N3 e REM são os mais difíceis de acordar, e são os que dão a sensação de embriaguez de sono. De fato, acordamos mais dispostos nos estágios N1 e N2, que são fases em que o limiar do despertar é mais baixo”, conta.

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Por que não é tão simples quanto parece?

Estabelecer com precisão a duração dos ciclos é complicado. Além da variabilidade entre indivíduos, os ciclos de uma mesma pessoa não são sempre iguais. Na primeira metade da noite, os ciclos têm uma parcela maior de sono não REM (N1, N2, N3). Na segunda parte, o sono de ondas lentas diminui e o REM aumenta, o que influencia a duração total do ciclo.

Huebra alerta que aplicativos que prometem identificar os ciclos de sono com base em fatores como pulsação ou movimentação no quarto também não garantem precisão. Para saber exatamente o estágio do sono, seriam necessários eletrodos e monitoramento de atividade cerebral e muscular, análises mais complexas que não estão ao alcance de um simples aplicativo.

Acordar bem disposto: o que realmente funciona?

A maneira mais eficaz de garantir que acordar será menos sofrido é acordar sem despertador, pois o cérebro naturalmente desperta nos estágios mais superficiais do sono. No entanto, como isso não é viável para a maioria das pessoas, Huebra sugere uma estratégia diferente.

Ele orienta que conhecer bem os próprios hábitos de sono é fundamental. Dormir sem alarme sempre que possível ajuda a identificar o horário natural de despertar e a duração do sono, informações que podem ser usadas para planejar melhor a noite.

“A melhor forma é conhecer bem o seu sono. Esse conhecimento é adquirido pelo sono natural, sem uso de medicamentos e sem despertador. Uma vez que se entende esse padrão, você vai saber melhor seu horário mais comum de dormir e acordar, e a duração do seu sono. Com isso, conseguimos ter uma ideia melhor do momento mais próximo do ideal para dormir e acordar”, conclui Huebra.

Então, na próxima vez que você estiver lutando para sair da cama, lembre-se que nem tudo que viraliza nas redes sociais tem uma base sólida. Às vezes, o segredo para acordar bem disposto pode estar em algo mais simples do que um cálculo matemático: conhecer e respeitar o seu próprio corpo.

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